"Vidraça" do futebol, árbitro brasileiro pode se preparar por até oito anos para não ter onde trabalhar

Exemplo da pressão que um árbitro sofre no
futebol brasileiro: reclamações de todos os lados
Bruno Doro
Do UOL, em São Paulo

Na próxima vez que você xingar o juiz por um erro que ele cometeu, não exagere. No país do futebol, os homens do apito vivem sofrendo do ódio da torcida, têm cada decisão contestada pelas câmeras de TV e, após passar por anos de treinamento, entram num mercado de trabalho minúsculo.
“É uma profissão quase em extinção. Você entra em campo, não pode errar e tem câmeras checando tudo o que você faz. E se acerta, só fez a obrigação. Isso afasta novos talentos. Sabe por que é tão difícil aparecer alguém novo? Porque o campo de trabalho é muito pequeno. Olhe para Santa Catarina, onde eu trabalho. A cada ano temos 50 pessoas que entram no curso de arbitragem. Mas só uma vaga para trabalhar em eventos da CBF é aberta a cada ano”, explica Marco Antônio Martins, presidente da Anaf (Associação Nacional dos Árbitros de Futebol).
Com a onda de erros de arbitragens nas últimas rodadas do futebol nacional, o UOL Esporte conversou com alguns especialistas para contar como os juízes brasileiros surgem. E o processo não é muito diferente daquele que revela os jogadores. Normalmente, o árbitro nasce naturalmente. Familiares e amigos de juízes adotam a função, apitam partidas amadoras, em escolas, em quadras de bairro. E resolvem que aquela é a uma boa carreira para seguir.
O passo seguinte é procurar as escolas de formação de árbitros em cada estado. Só são aceitos maiores de 18 anos, que são submetidos a testes. Os que passam, estudam por um ou dois anos e passam a comandar partidas menores. Em Santa Catarina, por exemplo, os recém-formados costumam atuar em partidas amadoras, para ganhar experiência. Em São Paulo, esse aprendizado acontece nas categorias de base, com juízes novatos comandando partidas de jovens de 10, 11 anos, e subindo de categoria até atingir o limite de seu potencial.
“Aqui em São Paulo, os árbitros ficam em treinamento por sete, oito anos antes de chegar até as categorias principais. Nesse período, eles desenvolvem as técnicas para controlar as partidas não somente pelas regras, mas também no aspecto psicológico. E, como é um processo longo, só os profissionais realmente apaixonados pela função seguem na carreira”, explica Gustavo Korte, psicólogo que trabalha com os árbitros filiados à Federação Paulista de Futebol.
Esses oito anos, com muitos jogos de categorias de base disponíveis para serem usados como treinamento de árbitros, porém, são raridade no Brasil. “Fora de São Paulo, o número de jogos em que um árbitro pode atuar é limitado. E a estrutura que é dada para eles também. Em São Paulo, os árbitros passam por treinamentos várias vezes por ano. Em outros Estados, isso não acontece”, completa Korte.
“Em São Paulo, um árbitro que passou das categorias de base tem mais cinco categorias profissionais para trabalhar. Agora, se for para outros Estados, o número de partidas é muito menor. Em Brasília, neste ano, o campeonato estadual não teve nem dez times. Como esperar que um árbitro do Distrito Federal chegue tão bem treinado quanto um de São Paulo?”, questiona Marco Antônio.

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